Psiquiatra leva pacientes em barco para expedição terapêutica na floresta amazônica
Carlos Minuano
Do UOL, em São Paulo
"Seu filho foi atacado pelo curupira?!", indaga o experiente psiquiatra Wilson Gonzaga, sem disfarçar a enorme interrogação estampada em seu semblante. "Esse animal que você descreveu não poderia ser um macaco?", sugere o médico, descrente da história fantástica que acabava de ouvir. O caso singular foi contado por um casal de ribeirinhos que o procurou em uma Unidade Básica de Saúde (UBS), localizada na distante Manicoré, a 434 km de Manaus.
O problema insólito envolvia um garoto que apresentava sintomas de distúrbios mentais, segundo os pais, após o suposto encontro com o ser mitológico, que de acordo com a lenda, adora assustar criancinhas. "Doutor, toda a minha família é do mato, eu também cresci no meio da mata, a gente sabe o que é um macaco", respondeu o pai do menino, indignado com o questionamento do médico, que havia acabado de chegar à comunidade.
O problema insólito envolvia um garoto que apresentava sintomas de distúrbios mentais, segundo os pais, após o suposto encontro com o ser mitológico, que de acordo com a lenda, adora assustar criancinhas. "Doutor, toda a minha família é do mato, eu também cresci no meio da mata, a gente sabe o que é um macaco", respondeu o pai do menino, indignado com o questionamento do médico, que havia acabado de chegar à comunidade.
Desde 2008, Wilson Gonzaga presta atendimento psiquiátrico na rede
municipal de saúde de três municípios da calha do rio Madeira, Nova Olinda do
Norte, Borba e Manicoré, além de comunidades ribeirinhas da região. Ele garante
que na Amazônia é mesmo assim, cultura, folclore e magia se fundem à realidade
local.
Atualmente, além de buscar recursos para a construção de uma clinica
para dependentes químicos na mata, o psiquiatra acaba de adquirir um simpático
barco hotel, no qual pretende levar pacientes à Amazônia para experimentar uma
proposta diferente de tratamento: a cura através de um mergulho na natureza e
nas medicinas tradicionais, indígena e cabocla.
Uma das ferramentas utilizadas será a ayahuasca, bebida psicoativa
utilizada por quase uma centena de etnias indígenas amazônicas e, desde o
início do século passado, incorporada a cultos religiosos sincréticos
brasileiros, entre os principais estão o Santo Daime e a União do Vegetal
(UDV).
O psiquiatra Wilson Gonzaga dirige um desses grupos, o Rosa de Luz, uma
vertente não oficial da UDV. Ele conhece a substância há cerca de três décadas
e participa constantemente do debate em torno do chá amazônico e seus usos.
Gonzaga integrou o grupo multidisciplinar do Conad (Conselho Nacional
Antidrogas) que reavaliou a bebida em diferentes enfoques e contextos. O
trabalho resultou em uma regulamentação sancionada pelo então presidente Lula
em 2010, documento que garante o direito do uso religioso do chá.
O assunto é controverso. Mesmo após anos de pesquisas e embates
jurídicos, especialistas ainda parecem longe de um consenso. "Falta
literatura científica que descreva quantos pacientes tem uma boa
resposta", rebate o psiquiatra Marcelo Niel, do Proad (Programa de
Orientação e Atendimento a Dependentes) da Unifesp.
Gonzaga ressalta, entretanto, que "o uso da ayahuasca feito na
viagem de barco pela Amazônia será dentro do contexto ritualístico, permitido
pela regulamentação do Conad".
Outros aspectos do rico caldeirão cultural da selva amazônica serão
também conhecidos através dos vários personagens locais, detentores desse
conhecimento, como a curandeira Dona Zuzuca, que vive e atende em Nova Olinda
do Norte. "Ela não trabalha com psicoativos, apenas com rezas e
ervas", comenta Gonzaga.
A simpática senhora já foi entrevistada várias vezes no programa de TV
que o médico apresenta em um canal local, sobre a cultura amazônica e o uso de
plantas medicinais. A longa lista de histórias curiosas da curandeira inclui
até ‘incorporação de entidades malignas’. Mas Zuzuca não se intimida. Com muito
bom humor, ela diz como resolve as ‘possessões’ que aparecem: "Com licença
da palavra feia, eu sento o cacete com galho de ‘pinhão-roxo". Depois de
uma longa e saborosa gargalhada ela completa, "não tem encosto que
resista".
A primeira viagem
A primeira expedição terapêutica pela floresta amazônica deve acontecer
no início do próximo mês com um grupo (ainda não fechado) de até 12 pessoas.
"Vamos navegar pela região, conhecendo a medicina tradicional, a vida dos
ribeirinhos, com direito a passeios na mata e até observação de jacarés",
conta.
Durante três semanas, a viagem (que deve ocorrer todos os meses) seguirá
o roteiro de trabalho de Gonzaga, passando pelas cidades onde ele presta
atendimento psiquiátrico nos centros de atenção psicossocial (Caps) da região e
às populações ribeirinhas.
A ideia, segundo ele, é de aproveitar esse percurso que faz em três
cidades da calha do Madeira para desenvolver outras atividades como passeios,
cursos e vivências para desintoxicação de drogas. "É um pacote que mistura
tratamento, educação ambiental e aventura neste lindo jardim do planeta",
completa.
O projeto não possui nenhum apoio ou patrocínio, explica Nísia Maria,
companheira e parceira de trabalho de Gonzaga, além de terapeuta e
administradora da empresa do casal, o Instituto Hermes, de consultoria e
treinamento na área de desenvolvimento humano.
"Como o Wilson trabalha em várias cidades, somos obrigados a manter
várias casas, por isso também que decidimos trocar quase todas por uma que
anda". O custo da viagem que cada participante terá que desembolsar ainda
não está definido, mas segundo ela, deve ser bem mais barato que passar uns
dias em algum centro terapêutico da região.
"Temos ainda um sítio que serve de apoio em terra, onde receberemos
futuramente qualquer pessoa que queira fazer tratamentos de desintoxicação ou
trabalhos de desenvolvimento pessoal, sejam usuários de drogas químicas
pesadas, como cocaína e crack, ou das outras droguinhas cotidianas que todos
consumimos, como a mentira, raiva, orgulho e apegos", finaliza o
psiquiatra.
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