O regresso de quem não foi


Carlos Minuano | Para o Cultura e Mercado
Dado como morto, PL Azeredo avança silenciosamente na Câmara em versão piorada. Com mais de 20 anos de acesso público à rede o Brasil ainda não tem uma legislação para o setor. Apesar do amplo marco regulatório do setor de telecomunicações durante privatizações da década de 90, ambiente digital permanece sob a mira de projetos de lei cujo foco é o direito criminal, com objetivo de tipificar condutas e criar penas.
Entre as diferentes iniciativas, uma ganhou especial destaque nos últimos dois anos, provocando grande estardalhaço, pelo conteúdo controverso de seu texto. O Projeto de Lei para Crimes Eletrônicos, o PL 84/99, também chamado de Lei Azeredo – referência a seu mais fiel defensor, Eduardo Azeredo (PSDB/MG), eleito deputado na peleja eleitoral que acaba de findar.
Segundo especialistas, problema do PL é que mira em crimes como pedofilia e disseminação de vírus, mas acerta em praticamente todos os usuários. No ano passado, a sociedade por toda parte reagiu, um abaixo-assinado chegou a arrecadar 157 mil assinaturas contra o PL que, aliás, era dado como morto. Mas, para espanto geral, ele avança silenciosamente na Câmara dos Deputados, em versão piorada.
“Pela atual proposta, quem transferir músicas do iPod para o computador, mesmo que tenha pago por elas, está sujeito a uma pena de três anos de prisão”, alerta Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV. O PL acaba de ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara com novo texto que, segundo Lemos, “abre caminho para o vigilantismo e o desrespeito à privacidade em redes sociais, blogs e até no twitter”.
Adeus à privacidade
O PL Azeredo, que já era conhecido como AI-5 digital pelas ameaças que trazia à liberdade e à privacidade na rede, ganhou texto novo, que faz ainda mais justiça ao apelido sórdido. Na nova versão, o PL 84/99 autoriza provedores a guardarem os dados dos internautas e a entrega desses dados para o Ministério Público, ou para a polícia, sem a necessidade de uma ordem judicial. “Se for aprovado, adeus privacidade”, lamenta Lemos. “Autoridades vão ter o direito de, sem ordem judicial, vigiar pessoas”.
Outro motivo de crítica na opinião de especialistas é que o trâmite do PL Azeredo atropela o trabalho feito pelo Ministério da Justiça no chamado “Marco Civil da Internet”. De fato, em países desenvolvidos, caminho tem sido primeiro estabelecer um marco regulatório civil. De acordo com especialista da FGV, “direito criminal deve ser visto como último recurso, adotado quando todas as demais formas de regulação falham.”
“Passou-se um ano construindo uma alternativa ao projeto Azeredo, contando com intensa participação pública”, diz Lemos. Para ele, objetivo não deve ser criminalizar, mas proteger a rede e os direitos dos internautas.
O pesquisador ressalta ainda que o recente avanço da Lei Azeredo aconteceu em 5 de outubro, logo após as eleições, quando não havia ninguém prestando atenção, assinado por um deputado que não se reelegeu, Regis de Oliveira, do PSC-SP. “Tudo leva a crer que se trata de uma estratégia para fugir da opinião pública”, conclui.

Da rede para o xilindró

Em apenas dois artigos, veja o que pode acontecer com você, caro leitor, se a Lei Azeredo for aprovada.

De acordo com o artigo 285-A, do PL Azeredo, acessar, mediante violação de segurança, rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso, passa a ser crime, com pena de reclusão, de um a três anos, e multa.
Trocando em miúdos, se o consumidor compra um celular bloqueado e decide desbloqueá-lo, ao fazer isso acessa, mediante violação de segurança, um dispositivo de comunicação protegido por expressa restrição de acesso. Logo, está sujeito a ver o sol nascer quadrado de um a três anos e ainda vai ter que pagar multa.
Já o artigo 285-B determina que pode ir para o xilindró, quem obter ou transferir, sem autorização ou em desconformidade com autorização do legítimo titular da rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso, dado ou informação neles disponível. A cana neste caso também varia entre um a três anos, e, claro, ainda tem uma multa.
Na prática é o seguinte, um garoto adquire músicas para seu iPod legalmente, mas depois compra outro aparelho (como o Microsoft Zune). Decide então migrar suas músicas do iPod e transferi-las para o Zune. Com isso, transferiu, em desconformidade com a autorização do legítimo titular do dispositivo de comunicação protegido por expressa restrição de acesso, dado nele disponível. Logo, dançou. Está sujeito a ir para trás das grades, entre um e três anos, sem falar na multa.

* com informações do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV

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