Conferência nos EUA sobre ciência psicodélica destaca uso da ayahuasca
Carlos Minuano
Do UOL, em São Paulo
Do UOL, em São Paulo
Chá ayahuasca [foto: Caio Guatelli/Folhapress] |
Ecstasy contra estresse pós-traumático, LSD para dor de
cabeça, psilocibina no tratamento do tabagismo. Uma antiga utopia de hippies e
alternativos sessentões se tornou realidade. Depois de décadas de perseguição,
os alucinógenos estão na mira de cientistas do mundo do todo, interessados no
possível potencial dessas substâncias para tratamentos diversos.
Esse novo cenário é o tema da segunda edição da
conferênciaPsychedelic Science, que começou na quinta (18), em Oakland, na
Califórnia, e termina nesta segunda (22). A conferência reúne mais de 100 dos
principais pesquisadores de 13 países, que apresentarão as descobertas mais
recentes sobre os benefícios e riscos de diferentes substâncias psicoativas,
como ibogaína (que faz o usuário sonhar acordado), ketamina (anestésico
veterinário) e maconha.
As palestras e workshops deram destaque para estudos
sobre o potencial terapêutico da ayahuasca, beberagem de origem amazônica usada
em rituais indígenas e em cultos religiosos brasileiros, como Santo Daime e
União do Vegetal.
Nunca se pesquisou tanto esse tema, diz a antropóloga
brasileira Bia Labate, professora visitante do Programa de Política de Drogas
do Centro de Pesquisa e Ensino Econômico - Cide, em Aguascalientes, no México.
Ela é consultora do Maps (sigla em inglês para Associação Multidisciplinar para
Estudos Psicodélicos) e diz que o evento é "o maior encontro internacional
da história entre estudiosos do campo da ayahuasca".
Segundo ela, houve uma explosão de interesses sobre a
natureza, e os efeitos e usos do chá psicoativo. "Depois de uma
longa jornada de perseguição e banimento pelos colonizadores, seguido pelas
políticas proibicionistas de drogas, observamos a propagação de rituais da
ayahuasca em toda a Europa e América do Norte, e uma enorme expansão no estudo
científico dessa substância", relata.
O eixo do evento voltado para o chá psicodélico,
coordenado pela antropóloga, reúne 30 apresentações de pesquisas, um dia de
workshop, exibição de filmes e debates em torno de questões como segurança,
ética e comercialização do uso da ayahuasca no chamado 'turismo espiritual'.
Com recorte multidisciplinar, inclui perspectivas de neurociência,
neurobiologia, psiquiatria, farmacologia, etnofarmacologia, etnobotânica,
psicologia, saúde pública, epidemiologia, antropologia, direito e educação.
"São pesquisadores do Brasil, EUA, Canadá, Alemanha, Espanha, Peru e
México", acrescenta a antropóloga.
"Em sua maioria, apresentações abordam o ritual e
os usos clínicos dessa substância no tratamento de várias doenças e
enfermidades, como a depressão, e especialmente seu papel no bem-estar
psicológico, qualidade de vida e na formação da identidade", prossegue
Labate. Outra abordagem relevante são as investigações dos efeitos da ayahuasca
como complemento para a psicoterapia em casos de dependência química.
É esse, aliás, o campo de atuação do brasileiro Dartiu
Xavier, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São
Paulo, onde também é diretor do Programa de Orientação e Atendimento a
Dependentes (Proad). O psiquiatra, que é um dos palestrantes na conferência
norte-americana, participa atualmente de vários estudos sobre o tema, entre
eles um de avaliação neurofisiológica dos efeitos agudos da ayahuasca (dosagens
de hormônios no sangue e eletroencefalograma), e outro que trata dos sintomas
depressivos e ansiedade em usuários do chá amazônico.
"Esta conferência abrange todos os alucinógenos,
mas tem uma ênfase especial na ayahuasca, pelo fato de aparentemente ser uma
substância de uso seguro, e que não causa dependência, além do fato deste uso
estar aumentando no mundo inteiro nos últimos anos", argumenta Xavier.
Ele vê com otimismo o crescimento do interesse
cientifico nos psicodélicos em geral. "Vários grupos de cientistas no
mundo estão de olho nesse tema, estamos para começar um destes estudos aqui no
Brasil", informa o psiquiatra. "Estamos elaborando uma pesquisa que
pretende investigar o uso terapêutico de alucinógenos em dependentes de cocaína
e crack, sendo um deles com ayahuasca e outro com ibogaína". O psiquiatra,
entretanto, explica que falta ainda a aprovação dos comitês de ética.
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