Em edição de luxo e papel reciclado, HQ "Estórias Gerais" recria o universo do cangaço e presta homenagem à cultura popular

Como um Grande Sertão - Veredas dos quadrinhos, "Estórias Gerais", da dupla Wellington Srbek e Flavio Colin, faz reverência a um Brasil ainda pouco conhecido. Em edição de luxo e papel reciclado, traz lendas e histórias sobre o universo do cangaço e resgata a magia do sertão mineiro. O autor, no texto que abre a HQ, conta que a idéia surgiu de seu mergulho na literatura brasileira, pela qual se declara apaixonado. "As palavras possuem sabor e alimentam", afirma."Estórias Gerais" pode ser um bom começo para quem ainda duvida disso.


Para ele, ler uma obra-prima é como fazer um pacto às avessas. "A gente ganha uma alma novinha e melhorada", diz. Mas, em troca, é preciso retribuir, acrescenta. Pode ser uma música, um poema ou, então, uma história em quadrinhos, caso de Srbek e Colin. No álbum, que acaba de ser lançado, é possível encontrar a marca de muitos autores, como Guimarães Rosa - da obra acima citada e um sabor genuinamente brasileiro, claro.

Seja no texto bem elaborado do mineiro Srbek ou na arte primorosa do carioca Colin -um dos grandes mestres dos quadrinhos, falecido em 2002 -, os dois, ao misturarem mito e realidade, compõem uma obra que é, ao mesmo instante, a metáfora de uma nação de muitas faces e uma homenagem à cultura brasileira mais popular.

O cenário é o pobre e distante vilarejo fictício de Buritizal, no oeste mineiro, durante a década de vinte, às margens do famoso rio São Francisco. No centro da trama, o embate violento entre dois bandos, o de Manoel Grande e o de Antonio Mortalma, temido pela fama de que teria vendido a alma ao diabo.

A saga é acompanhada pelo atento Ulisses de Araújo, jornalista cuja tarefa inglória é a de registrar as histórias e lendas por trás dos famigerados bandoleiros. Com os óculos quebrados, o intrépido repórter arremata no fim da história: "Certamente desconhecemos nossa própria nação, por prepotência a olhamos com olhar de estrangeiro".

A acuidade na recomposição do universo dos jagunços do norte mineiro, retratados no texto de Srbek, é resultado de uma ampla pesquisa histórica. "Vasculhei inúmeros jornais da década de 20, além de vários livros e documentários sobre a época", conta. Ele reconhece, no entanto, que a inspiração maior veio mesmo do clássico de Guimarães Rosa, "Grande Sertão - Veredas". "Fui tomado por aquela narrativa fantástica e peculiar".

Mas não se trata de uma adaptação. Segundo ele é uma declaração de amor à literatura e ao país. "Quando alguém se lança no processo de criação artística tem, à sua frente, infinitas possibilidades de temas e abordagens", observa Srbek. No caso de "Estórias Gerais" a opção foi falar do Brasil, da primeira à última página. "É uma reflexão sobre uma parte de nossa realidade cultural esquecida pelos cartunistas nacionais bastante influenciados pelo quadrinho estrangeiro", ressalta.

LIVROS SUSTENTÁVEIS
"Estórias Gerais", produzido em 1998, chegou a ter uma edição independente em 2001, viabilizada pela lei de incentivo a cultura de Belo Horizonte. Mesmo com tiragem limitada e distribuição capenga, levou dois HQ Mix e dois troféus Ângelo Agostini, os prêmios mais importantes do quadrinho nacional. O sucesso rendeu ao livro uma edição espanhola, em 2006, pela editora Editions du Ponent com o título "Tierra de Historias".

A obra ganha agora uma merecida republicação em sua língua pátria, enriquecida por um detalhe valoroso: é toda impressa em papel reciclado. Sem dúvida, um bom exemplo para o mercado editorial brasileiro ao apontar soluções sustentáveis para o setor. Na opinião do autor, além da contribuição com a questão ambiental, o uso do papel reciclado colaborou na estética, por se ajustar ao tema relacionado às raízes brasileiras. "O livro agora vem com a cor e o cheiro da terra".

[Carlos Minuano, para o Planeta Sustentável, editora Abril]

http://planetasustentavel.abril.com.br/

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Xingu: 50 anos em filme

Cinema de índio

O que é uma pessoa cisgênero?